V Encontro Linguagem e Cognição (21 a 23 de Novembro de 2018): Comunicações Orais

Ralph Leal Heck
Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) & Universidade Estadual do Ceará (UECE)
Informatividade das Regras: Do Escândalo da Dedução na Teoria da Informação Semântica à Informação das Deduções a partir de uma Modelagem Inferencial-Pragmática.
Resumo: Esta exposição tem o objetivo de examinar o problema da ausência de informação contida ou gerada em uma dedução, conhecido na literatura como o escândalo da dedução e propor uma solução utilizando certos conceitos da semântica inferencial-pragmática de Robert Brandom e de algumas elaborações sobre estes conceitos feitas por Anderson B. de Araújo, Richard P. Evans, com recurso ao paradigma AGM (Alcourrón, Gärdenfors e Makinson) de operações de revisão de crenças, especialmente, na forma de cláusulas de Horn. Em detalhes, a exposição começará apresentando alguns conceitos-chave da filosofia da linguagem de Robert Brandom que servem como arcabouço filosófico suficiente para a exposição de uma modelagem inferencial-pragmática do jogo de dar e pedir por respostas, correspondente ao cenário fundamental de exercício da linguagem, seguido do papel informativo que a dedução desempenha em nossas práticas linguísticas. A modelagem se baseia na formalização das relações inferenciais de autorização feita por Evans e na formalização das relações inferenciais de compromisso e sua respectiva medição de informação desenvolvida por Araújo. Mostro que o tratamento dado por Evans e Araújo não incorpora um elemento importante da filosofia da linguagem de Brandom para a produção de informação pela dedução, a saber, as regras de inferência material. Para completar esta lacuna, recorre-se ao aparato conceitual de representação do conhecimento na forma de operações sobre conjuntos de crenças no paradigma AGM, especificamente para o caso de regras de inferência material, sobre conjuntos de crenças na forma de cláusulas de Horn. Desta forma, concluo que seja possível expandir o quadro de medição de informação inicialmente proposto por Araújo, de modo que a calcular a contribuição informacional das regras de inferência material daquelas na forma de deduções. Ao final, proponho como possibilidade de desenvolvimento futuro um cálculo de medição de informação de regras materiais, associado à proposta de medição de informação fornecida por Araújo.
Palavras-Chave: Informação Semântica. Escândalo da Dedução. Inferencialismo Pragmático. Inferência Material. Mudança de Crença.


Yuri Lima Rodrigues
Universidade Federal do Ceará (UFC)
O que Querem os Inflacionistas sobre a Verdade?
Resumo: Pretendo responder à seguinte pergunta: qual é o papel da correspondência em uma teoria correspondencialista da verdade? Há duas respostas paradigmáticas para essa pergunta. Uma é a resposta ascendente segundo a qual a referencialidade atual de um portador p fundamenta a aptidão alética atual de p (exemplo na literatura: Field, 1972). Nesse caso, o objetivo é argumentar que a explicação do processo de correspondência é um requisito necessário para a explicação da verdade. A outra é a resposta descendente segundo a qual a aptidão alética atual de p fundamenta a referencialidade atual de (exemplo na literatura: Wright, 1992). Aqui o objetivo é defender que a explicação da verdade é um requisito suficiente para a explicação do processo de correspondência. Minha metodologia para responder à pergunta feita acima será a seguinte: eu apresentarei uma definição d do predicado V segundo as diretrizes da Concepção Semântica da Verdade (CSV) porque a CSV promove definições da verdade que não buscam explicar como ocorre o processo de correspondência. Após essa fase eu pretendo verificar se d atende a todos os requisitos de uma definição explícita e real do predicado V interpretado de um ponto de vista correspondencialista (requisitos 1, 2 e 3 abaixo). Para argumentar que esses requisitos não são atendidos por definições orientadas pela DSV, definições de “caráter deflacionário” (SOAMES, 1984, p. 429), eu faço uma distinção entre semântica (o que é para p ser sobre) e metassemântica (como é que p é sobre). A forma geral do meu argumento é a seguinte: i. Uma definição real (definições de conteúdo) para o predicado V deve atender no máximo a três critérios: (1) correção formal, (2) adequação material (preservação da equivalência extensional) e (3) poder explicativo metassemântico.  ii.      Definições para o predicado V de “caráter deflacionário” – definições que podem ser representadas pela CSV – atendem aos critérios 1 e 2 e apenas aos critérios 1 e 2.  iii.      Logo, a diferença específica entre uma definição de conteúdo para o predicado V e uma definição de “aspecto deflacionário” consiste no poder explicativo metassemântico.
Palavras-Chave: verdade, correspondência, concepção semântica da verdade, deflacionismo, naturalismo.



Aislan Fernandes Pereira

Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
Em Direção a uma Tradição Silogística Inferencialmente Expressiva
Resumo: Esta comunicação visa apresentar dois resultados de uma pesquisa em andamento, voltada a reconstruir uma certa tradição, em que a silogística é marcada pelo seu papel inferencialmente expressivo. Como membros iniciais dessa tradição são inseridos a escola aristotélica de Campinas, o principal membro de estudo, e o lógico Keynes do século XIX. Esse papel é construído com base no arcabouço teórico do inferencialismo contemporâneo de Robert Brandom, pelo qual é possível entender o papel inferencialmente expressivo da lógica, bem como a ideia de “lógica formal” e uma certa tradição, na qual Frege é um membro inusitado, em torno desse papel expressivo da lógica. Esse é o primeiro e grande resultado. Além disso, busca-se repensar especificamente sobre a sugestão da escola de Campinas, de que a silogística deve se aproximar de uma lógica relevante ou intuicionista. Essa sugestão é dada em função da insuficiência da noção formal de validade verofuncional em captar o tratamento expressivo dado por Aristóteles ao silogismo na demonstração científica. No entanto, com o inferencialismo de Robert Brandom, ou melhor, com o papel inferencialmente expressivo da silogística, argumenta-se que a sugestão da escola de Campinas não precisa necessariamente estar restrita a uma lógica relevante ou intuicionista. Esse é o segundo resultado, derivado do primeiro. Aos que estão interessados numa correspondência entre lógica antiga e lógica moderna, este trabalho oferece uma discussão útil, em especial a projetos de formalização da silogística, que não precisam apelar contra ou a favor de uma abordagem tradicional da lógica.
Palavras-Chave: Expressivismo Lógico. Inferencialismo. Silogismo. Tradição Lógico-Filosófica. Robert Brandom. Escola de Campinas.


Hugo Ribeiro Mota 

Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
A Natureza das Certezas Fulcrais e o Ceticismo Radical na Epistemologia de Ludwig Wittgenstein
Resumo: Investigaremos as considerações de Wittgenstein acerca da epistemologia e do ceticismo radical em Sobre a Certeza. Daremos um enfoque particular à concepção radical da estrutura de justificações [structure of reasons] que Wittgenstein apresenta na obra, a qual possui enquanto núcleo a noção de certezas fulcrais [hinge certainties]. Estabeleceremos um problema provindo do ceticismo radical, o closure problem, central para essa concepção da estrutura de justificações. Examinaremos, por fim, à luz desse problema, alguns possíveis desenvolvimentos dessa concepção Wittgensteiniana, fundados em diferentes interpretações atuais sobre a natureza das certezas fulcrais. Os últimos escritos de Ludwig Wittgenstein (1889 – 1951), reunidos e organizados pelos amigos e editores G.E.M. Anscombe e G.H. von Wright na obra Sobre a Certeza publicada em 1969, são anotações encontradas em seus cadernos pessoais do período de 1949 a 1951 e dividem-se em quatro partes, sendo o final da última delas referente a 29 de Abril de 1951 — dois dias antes de sua morte. Compreende-se que, por mais que se trate de um texto preliminar que o autor não viveu o suficiente para finalizar — o que pode trazer para a leitura um elemento emocional peculiar —, existe aqui uma linha de pensamentos identificável enquanto uma proposta Wittgensteiniana: uma nova e radical concepção da estrutura de justificações. De acordo com Pritchard (2017), há nesta proposta uma maneira de lidar com o problema do ceticismo radical — aquele que põe em dúvida toda possibilidade de conhecimento. Esta proposta surge por conta de sua tentativa de compreender a natureza de nossas confianças ou certezas mais básicas, tais como ‘Eu tenho um corpo’, ‘A Terra já existia muito antes de eu nascer’, ‘Aqui está uma mão’. Dentre os temas da obra, optamos por tratar de apenas dois deles, a saber, a relação da epistemologia Wittgensteiniana com o ceticismo radical e o debate atual sobre a natureza das certezas fulcrais. Ambos são de extrema relevância e merecem ser examinados em detalhe, já que apenas recentemente foram trazidos à tona com rigor. As considerações de Wittgenstein sobre epistemologia são essenciais para epistemologia contemporânea, tanto em relação à lida com problemas de cunho cético, quanto em relação à compreensão do que é e como é a nossa estrutura de justificações, ou seja, qual e como é a base para nossos conhecimentos e crenças em geral. Enquanto hipóteses relacionadas ao primeiro problema, acreditamos que as críticas de Wittgenstein ao ceticismo radical são válidas e em muitos sentidos satisfatórias, sendo a epistemologia Wittgensteiniana incontornável nas discussões sobre o trilema de Agripa, pois nenhum interessado em pensar o trilema atualmente deveria deixar de lado a epistemologia de Wittgenstein. Entretanto, pensamos que ela não deveria ser compreendida enquanto absolutamente verdadeira e insuperáveis. Em relação ao segundo problema, parece-nos que as interpretações (1) não-epistêmicas seriam as mais adequadas dentre as duas circunscritas no debate atual sobre a natureza das certezas fulcrais diante do closure problem, por mais pensemos que mesmo essas interpretações não teriam desenvolvido respostas totalmente satisfatórias a esse problema.
Palavras-Chave: Filosofia da linguagem; Epistemologia; Ceticismo; Wittgenstein; Certezas fulcrais.


Rafael Cavalcanti de Souza
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Como Relacionamos a Matemática e o Mundo por meio do Pensamento segundo Aristóteles: Um Comentário ao Capítulo 3 do Livro M da Metafísica
Resumo: O livro M da Metafísica é um texto que não recebe muita atenção dos leitores, devido ao seu modo de argumentação demasiado “escolástico”, ou pela pressuposição do famoso mito de que “Aristóteles não conhecia bem matemática”, ou que estava apenas interessado em questões empíricas. Por isso, teoricamente não havia sentido ler um texto aristotélico acerca da ontologia dos entes matemáticos. Essa posição, além de estar fundamentada em um mito sem fundamento sério, existem vários pontos que indicam o contrário. Aristóteles estudou aproximadamente vinte anos na Academia, que tinha a geometria e a aritmética como disciplinas de grande papel e, ao que tudo indica, ele absorveu muito do método geométrico para desenvolver o seu método cientifico. Dessa forma, o entendimento equivocado sobre a matemática e Aristóteles faz com que muitos não busquem em Aristóteles questões centrais e relevantes para a filosofia contemporânea. Esse trabalho traz para o debate uma determinada questão presente nas investigações contemporâneas, em especifico a questão sobre como relacionamos a matemática e o mundo. Para tanto, será feito primeiramente uma análise da estrutura categorial da quantidade no capítulo 6 das Categorias, uma vez que o uso do termo ‘quantidade’ em Aristóteles não é o mesmo que é utilizado atualmente. Para que, em seguida, seja feita uma análise da resposta proposta por Aristóteles para essa pergunta no capítulo 3 do livro M da Metafísica, em sua investigação acerca do modo de ser dos objetos da matemática no qual ele classifica como sendo objetos que existem em potência, já que podem ser atualizados pelo intelecto do indivíduo que realiza a operação de abstração ou separação. De início essa perspectiva aristotélica aparenta ser demasiada simples, mas em uma análise mais elaborada, ela apresenta seu caráter problemático e apresenta uma resposta para a pergunta acerca da capacidade de relacionarmos a matemática com os objetos do mundo, uma vez que ela não esteja separada deles e, ao mesmo tempo, não se reduza a eles.
Palavras-Chave: Matemática, pensamento, categorias, mundo, metafísica, predicação.


Iana Valença Cavalcanti
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Ação e Cognição: O Papel Não Marginal do Agir para o Pensar
Resumo: Em todas as vertentes do Enativismo, bem como das vertentes E-cognition (Embodied, Embedded, Enactive and Extended), a ação ocupa um lugar de grande relevância para a cognição. Não atoa tais correntes andam sendo teoricamente bem sucedidas em suas defesas quanto o papel da ação do corpo no ambiente natural nos últimos anos, uma vez que há ampla evidência na contemporaneidade em áreas como a robótica (Beer, 1989), o desenvolvimento infantil (Thelen e Smith, 1994) das dinâmicas neurais (Thompson e Varela, 2001) assim como noções da extensão da mente ao ambiente natural (Hutchins, 1995) ou das representações distribuídas (Minsky e Partet, 1988) de que é pouco justificável sustentar o papel marginal da ação do corpo com o meio ambiente para fins tanto epistêmicos (compreensão da cognição) quanto ontológicos (delimitação da natureza da cognição). Neste caso, com as investigações de Gibson em 1979 sobre a percepção visual ecológica, o debate acerca da ação para a percepção ganha um pontapé significativo. Um dos argumentos utilizados para a expansão da cognição em Clark e Chalmers é o da ação epistêmica, desenvolvido pelos filósofos e cientistas cognitivos Kirsh e Maglio (1994) com experimentos acerca do jogo de tetris. Pragmaticamente, a função de rotação é orientar uma forma, mas especula-se aqui que a rotação pode servir a várias outras funções essencialmente voltadas à cognição. Por exemplo, a rotação pode ser usada para: (i.) descobrir novas informações mais cedo no jogo, (ii.) driblar o esforço da rotação mental, (iii.) facilitar a identificação do tipo de forma e, por fim (iiii.) facilitar a identificação da forma com a lacuna (MAGLIO, KIRSH, p. 527, 1994). Neste caso, algumas ações equivalem ao pensamento, na medida em que funcionam primariamente como uma ampliação cognitiva, endossando junto com o Enativismo a centralidade da ação para a cognição e a insuficiência de pensar a cognição em termos do modelo I-Cognition (individualism, intellectualism, internalism).
Palavras-Chave: Ação; Percepção; Cognição; Mente; Mundo.


Raul de Carvalho Rocha
Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
Rousseau e a Linguística Romântica: Da Relação Língua e Povo nos Estudos Linguísticos Alemães do Século XIX
Resumo: A ciência que se constituiu em torno dos fenômenos da língua, a Linguística, surgiu efetivamente no início do século XIX, em território alemão, sob o epíteto Gramática Comparada. As suas origens, por sua vez, coincidiram com o período em que se deu a irrupção e o apogeu do Romantismo, movimento cultural, artístico e filosófico, que se notabilizou por constituir-se em uma reação contra a cultura e o pensamento estrangeiros, particularmente os de origem francesa, na Alemanha. E foi no conceito de “Volksgeist” germânico, exaltado pelo filósofo Johann Gottfried von Herder (1744–1803), que os românticos fundamentaram a sua revolta contra o Classicismo francês e o Iluminismo racionalista que se impunha à esfera artística e às categorias do pensamento alemão desde o século XVIII. Afinal, contrariamente à estética universalizante da França, Herder valorizou as peculiaridades de cada povo, frutos de particularidades espaciotemporais em que os mesmos se desenvolveram. Por esse motivo, ele concebeu não apenas os fenômenos culturais, como a poesia, mas também as próprias línguas nacionais como intrinsecamente vinculados à história dos povos e, portanto, como reflexos de sua própria essência. Entretanto, foram basilares para a sua filosofia historicista as concepções de língua e cultura de Jean-Jacques Rousseau (1712–1778), filósofo genebrino inserido na tradição iluminista francesa, amplamente associado ao Pré-Romantismo, que emergiu na Alemanha por volta de 1760, e reconhecido como o precursor do movimento romântico em si. Já em seu Ensaio sobre a origem das línguas (1781), Rousseau concebeu as primeiras línguas verbais e as suas características, relacionadas às questões articulatórias, como condicionada à vivência dos povos, mais precisamente às condições climáticas. Reflexos desse pensamento serão encontrados nos primeiros estudos linguísticos do Oitocentos. Partindo-se do reconhecimento desse fato, o presente trabalho busca demonstrar, a partir da exposição e análise de concepções teóricas dos primeiros linguistas alemães sobre as línguas, a influência de Rousseau não apenas sobre a consolidação do Romantismo alemão, mas sobre a própria Gramática Comparada do século XIX, a qual, a saber, foi nitidamente uma “Linguística romântica”. Especial ênfase será concedida às teorias e obras de Jacob Grimm (1785–1863), amplamente conhecido pela compilação, com o seu irmão, Wilhelm (1786–1859), de contos de fadas extraídos do folclore alemão — trabalho que, por si só, refletiu a influência do Romantismo alemão nos autores —, mas que, em Linguística, foi o responsável pela descoberta da primeira mutação consonantal sistemática, posteriormente chamada de “Lei de Grimm” (1822), que influenciou decisivamente os estudos linguísticos do final o século. Trata-se de uma pesquisa de natureza bibliográfica, teoricamente fundamentada em Robins (1979) e Morpurgo Davies (1998), obras voltadas à historiografia linguística, Rousseau (1973), em se tratando dos estudos filosóficos, e Guinsburg (1978), no que tange à historiografia da arte.
Palavras-Chave: Rousseau; Romantismo alemão; Gramática Comparada; Grimm.


Rondineli Bezerra Mariano
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
O Problema Mente-Corpo na História da Psiquiatria
Resumo: A psiquiatria, pela própria natureza conceitualmente problemática do seu objeto de estudo, a doença mental, tem que se haver com uma série de questões em torno do problema mente x cérebro ou mente x corpo. Ao circunscrever-se enquanto uma legítima ciência médica, a psiquiatria compromete-se com o conceito de doença que implica de alguma maneira a noção de uma disfunção orgânica. Mas como seu objeto se estende pelo plano psíquico, é necessário tematizar a relação entre o plano orgânico, domínio por excelência de todas as ciências médicas, e o domínio do psíquico no qual se manifesta os sintomas clínicos de interesse da psiquiatria. É possível identificar ao longo da história das ideias e práticas psiquiátricas várias respostas divergentes a questão da autonomia do psíquico em relação ao orgânico explicitamente ou implicitamente formuladas nas teorizações em torno da noção de doença mental. Dessa maneira, propõe-se analisar brevemente três momentos importantes no desenvolvimento da psiquiatria como ciência médica desde sua fundação até as primeiras décadas do século XX tentando identificar justamente a maneira como se concebia a relação entre o somático e psíquico no interior desses projetos teóricos que tentaram à sua maneira explicar e determinar a origem da doença mental. O ponto de partida é a psiquiatria romântica alemã, que teve seu apogeu nas primeiras décadas do século XIX. Posteriormente trata-se da psiquiatria organicista de Wilhelm Griesinger (1817-1867) que já absorve inteiramente o modelo biomédico em psiquiatria e dá origem a psiquiatria universitária alemã em meados do século XIX. Finalmente, analisa-se a aliança da psiquiatria com a psicanálise nas primeiras décadas do século XX e a maneira como a teoria psicanalítica freudiana repercutiu nas teorizações em torno da doença mental destacando sua visada psicogenética. A psiquiatria romântica alemã, geralmente apresentada na literatura como a disputa entre os mentalistas ou psiquicistas (Psychiker) e os somaticistas (somatiker) é explicitamente orientada pela antropologia filosófica e guarda em seu seio preocupações de ordem teológica e moral. Tal psiquiatria recusa a divisão cartesiana do corpo e da alma como entidades essencialmente distintas, justamente por entender que no homem alma e corpo formam uma unidade. Apesar da mente ou alma ter autonomia e precedência em relação ao corpo eles sempre se apresentam em uma conexão íntima. A obra psiquiátrica de Wilhelm Griesinger e seu veredito de que toda doença mental é uma doença do cérebro inaugura a escola da neuropsiquatria alemã com sua ênfase num organicismo materialista como fundamento da psiquiatria. Já a psicanálise por buscar uma gênese essencialmente psíquica da doença mental e enfatizar o método clínico em psiquiatria acaba por legitimar a ideia de que há uma autonomia entre o plano psíquico em relação ao orgânico, apesar de que, pelo menos quanto à psicanálise freudiana, não é exato interpretá-la como dualista, estando Freud muito mais próximo de alguma modalidade de materialismo. Por fim, é destacado a inevitabilidade de tematizar a relação entre o psíquico e orgânico em psiquiatria e propor algum arranjo para os termos essenciais da equação. 
Palavras-Chave: Doença mental; Problema Mente x Corpo; História da Psiquiatria, Filosofia da Psiquiatria; Psicanálise.


Camila De Paoli Leporace
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Possíveis Impactos da Teoria da Mente Estendida na Educação
Resumo: Segundo os teóricos das abordagens cognitivas mais recentes, o cérebro não é o único componente a formar a mente: o ambiente e o corpo também são elementos essenciais a essa composição. O filósofo Andy Clark vai além, já que, para o autor, a mente se estende pelas tecnologias, artefatos não-biológicos que passam a fazer parte desse sistema chamado mente. Ao agirmos no mundo, o modificamos; ao modificá-lo, ele também nos transforma. De maneira semelhante se dá a nossa relação com as tecnologias. A perspectiva de conectar mente e corpo e de trazer o olhar da influência do ambiente externo às funções cognitivas humanas opõe-se ao cartesianismo moderno, que os separava. Enquanto o sujeito cognoscente moderno não teria participação alguma do corpo ou do ambiente em seus processos cognitivos, o sujeito cognoscente situado e corporificado - ao menos segundo as teses mais fortes dentro do cenário dessas abordagens – caminha para superar esse dualismo. Clark é considerado um dos principais estudiosos contemporâneos da cognição, com a particularidade de focar na relação entre a cognição humana e as tecnologias, especialmente as digitais. Esse conjunto de características o torna um pesquisador capaz de trazer grande contribuição ao fazer-pensar educação no século XXI. O trabalho de Clark sobre a mente tem dado origem a um grande número de pesquisas relacionadas, que dialogam com suas ideias, abrem novas frentes e mantêm vivo o debate. Entre as contribuições da perspectiva de Clark e sua teoria da Mente Estendida para o fazer-pensar educação neste século estão questões como, por exemplo, aquelas em torno dos estímulos ou proibições ao uso de tecnologias de auxílio à aprendizagem, como calculadoras, celulares, computadores. Para Clark, somos todos ciborgues naturais; com cérebros que preveem, somos seres acoplados ao mundo que se beneficiam dessa relação para ampliar suas capacidades cognitivas; até mesmo os gestos feitos com as mãos para realizar cálculos, assim como o papel e o lápis que auxiliam nas contas maiores, são considerados por Clark tecnologias cognitivas, extensões da mente. Em relação ao uso da inteligência artificial na educação, por meio de plataformas de machine learning, segundo as premissas da Mente Estendida é provável que as plataformas adaptativas possam ser eficientes apenas caso sejam vistas como extensões, e não como substituições. Ao colocar máquinas de inteligência artificial no centro da educação sem antes conseguir trazer o corpo e o ambiente de forma mais significativa para a educação, lembrando que são partes efetivas e indispensáveis à cognição humana, talvez incorramos no risco de que os alunos continuem a ser vistos como sujeitos "desprendidos", como seres que trabalham na base de computação, sendo considerados, enfim, como máquinas - justamente o que filósofos como Rupert Dreyfus, Maurice Merleau-Ponty e o próprio Clark refutam.
Palavras-Chave: cognição, mente estendida, educação, tecnologias digitais


Carlos Mario Márquez Sosa 
Universidade de São Paulo (USP) 
Límites y Alcances de los Pensamientos sobre Objetos: Relaciones Causales, Rastros Cognitivos y Referencia Singular
Resumen: La presente ponencia tiene como objetivo evaluar las siguientes dos tesis: Para tener un pensamiento singular, (1) no sólo no es suficiente estar relacionado causalmente con el objeto acerca del cual es el pensamiento, tampoco es necesario; (2) es necesario estar informativa o cognitivamente relacionado con el objeto, aunque quizá no sea suficiente. Al evaluar estas tesis quisiera, al mismo tiempo, primero, examinar porqué, aunque mantener vínculos causales no es necesario ni suficiente, cerebros en una cubeta –ex hipótesis entidades que no están relacionadas causalmente con los objetos acerca de los cuales son sus representaciones- no tienen pensamientos acerca de objetos. Segundo, indagar si existen buenas razones para demarcar la relación de referencia singular tomando como base el Principio de Russell y su caracterización en términos de aquaintance, conexión causal, conocimiento discriminativo, vínculos informacionales o rastros cognitivos (Strawson, 1959; Dretske, 1981; Evans, 1982; Cussins, 1998). El examen de las tesis se llevará a cabo a partir del análisis de, por un lado, casos que aparentemente no involucran causación, como los presentados en Hawthorne and Manley (2012): referencia por cadenas causales inversas, por descomposición, por caracter, por convención, conspicua, by proxy, por postulación y por representación (depiction). Así como, casos de lo que Strawson denomina “story-relative identification”. Por otro, a partir de casos que aparentemente requieren algo más que causación discutidos en Evans (1982), Cussins (1998), Peackocke (1983) y McDowell (1990). Argumentaré, adicionalmente, a favor de la conveniencia de adoptar criterios en virtud de los cuales sea posible demarcar los límites de las nociones de referencia y pensamiento singular antes de privilegiar cualquier definición específica cargada teóricamente. Criterios como los siguientes: (1) si el pensamiento o lo dicho en un enunciado (en una ocasión particular de uso) no es acerca del objeto, el pensamiento no es singular. O bien, (2) si el pensamiento o lo dicho en un enunciado (en una ocasión particular de uso) no es exclusivamente verdadero (o falso) de al menos uno (condición existencial) y no más que un objeto (condición de singularidad), el pensamiento no es singular. Las motivaciones son las siguientes: por un lado, el análisis de casos y la formulación de criterios permite mantener cierto liberalismo con respecto a la adscripción de referencia a diversos dispositivos lingüísticos sin presuponer la distinción usual entre términos singulares (indexicales, demostrativos y nombres propios) y términos generales (descripciones definidas, descripciones indefinidas, predicados); así como con respecto al Principio de Russell y la noción de acquaintance. Por otro, provee un campo neutral para evaluar la adecuación de los modelos usualmente propuestos: Millianismo, Russellianismo, Verificacionismo, Neo-fregeanismo.
Palabras-Clave: referencia, pensamiento singular, causalidad, rastros cognitivos, acquaintance.

Nenhum comentário:

Postar um comentário